terça-feira, 5 de outubro de 2010

O respeito à vida ultrapassa a esperança

As consequências que os acidentes de trânsito podem causar na vida de alguém vão além de sequelas físicas
  
”Cerca de 420 pessoas lotam o auditório Dona Etelvina para prestigiar e participar do debate sobre trânsito em Maringá, promovido pelo Cesumar e com o apoio de O Diário. O site odiario.com acompanha o debate em tempo real.” Jornal O Diário Online, 25 de agosto de 2010, atualizado às 10h09.


Alisson Gusmão
Ela quase não sobreviveu ao acidente. Ficou entre a vida e a morte na Unidade de Tratamento Intensivo. Ao todo foram três meses internada e a pressão era tão baixa que, se não fossem os aparelhos, chegaria próxima de zero. Os médicos lutavam incansavelmente para salvar a vida dela. A cada dia era uma nova batalha, usavam medicamentos e aparelhos para controlar os sentidos da adolescente. Maria, a mãe, não acreditava estar vendo a filha de apenas 15 anos sofrendo tudo aquilo. O capotamento foi tão grave que a tetraplegia foi inevitável, os médicos não conseguiram tamanho sucesso.
– Sua filha sobreviveu, mas ficará sem nenhum movimento do corpo para o resto da vida – dizia o médico, ao mesmo tempo em que tentava consolar a mãe, que passara noites e noites sem dormir, junto ao leito da filha, imóvel e, aparentemente, sem forças. O momento era de dor e alegria. Aquela menina, que acabara de terminar o curso de modelo e sonhava com a carreira, estava vendo seus sonhos serem destruídos, mas o importante é que estava viva.
Vendo que a filha se sentia sozinha e não tinha resultados positivos, a mãe decidiu levá-la para casa, mesmo contrariando a orientação médica.
– A sua filha não irá resistir, a viagem é muito longa. A pressão vai baixar muito – dizia o médico responsável pela paciente.
Mesmo assim a mãe se responsabilizou e levou a filha a uma viagem de cerca de 500 quilômetros de distância. O sofrimento e a angústia eram tamanhos que a menina mal conseguia conversar. Mal sabia ela que os familiares e amigos a esperavam com uma festa e diversos cartazes espalhados pela casa.
Esperavam ansiosos por vê-la fora de perigo, ao contrário do que viram no hospital.
– Chegou. Ela chegou – surge uma voz, gritando.
Era o irmão de 9 anos que sofrera muito ao ver a irmã no hospital, mas que tinha esperança na recuperação.
– Todo mundo animado, viu? – ele havia preparado uma canção para, juntos, cantarem em homenagem à irmã.
Mas o baque foi tão grande ao vê-la numa maca, imóvel e sem alegria, que a voz de muitos não saía, saíam apenas palavras de afeto e incentivo daqueles que já conheciam a situação.
Os dias foram se passando e aos poucos os resultados se tornavam positivos. Aquela menina, desenganada pelos médicos, já apresentava os primeiros sinais de recuperação. Com o incentivo dos familiares e de alguns dos amigos que ainda restavam, os movimentos voltavam devagar e, com o passar do tempo, já recuperava o controle dos braços. Conseguia se manter sentada e os ferimentos causados pelos meses que passou de cama já estavam indo embora.
Foram anos de tratamento: médico, fisioterapêutico e psicológico. Passara por vários hospitais de reabilitação e usara cadeiras de rodas diferentes até conseguir o grande avanço da vida: o andador.
Passados 10 anos do trágico acidente, a recuperação era tamanha que ninguém acreditava ao ver o resultado. Agora, com 25 anos, a jovem já terminara a faculdade de nutrição, profissão que descobriu nos hospitais por onde passou. Trabalhara em alguns locais e aprendera a conviver com a própria situação.
Lutava pela independência. Via amigos saírem, eles festejavam à noite inteira e retornavam tranquilamente para seus lares. Ela não podia. A acessibilidade com a cadeira de rodas era precária e com o andador não aguentava mais de cinco minutos, mas a esperança nunca acabava. O que lhe restava era a alegria pelo que conquistava diariamente.
Bem melhor do que antes, passa por mais uma prova de fogo. Um conhecido havia ficado sem os movimentos das pernas, em um acidente de trabalho. Era preciso se aproximar. O menino não tinha mais apreço pela vida, mas a vida era muito além do que aquilo que ele passava. Havia solução, havia como resgatar a felicidade.
Pensando em ajudar, a menina se aproximou do amigo e tentou reanimá-lo, trocando experiências e lutando para que ele recuperasse o amor à vida.
 – A vida é muito mais do que isso, meu amigo – dizia, incansavelmente.
Lutou tanto que conseguiu salvar o amigo. Mas a cabeça já não era a mesma. Os avanços já não vinham mais, gastou tanto as forças com o amigo, que esquecera de si mesma.
Os dias e meses se passavam e o sonho de se recuperar cresceu novamente. A vida estava repleta de altos e baixos. Certo dia acordou muito animada, sentia-se outra pessoa. Acreditava que o milagre estava por vir. Logo de manhã lembrou-se do que uma senhora, que fazia orações para enfermos, lhe havia dito há alguns meses:
– O dia do milagre está chegando, você vai alcançar os quatro cantos do mundo, minha filha – isso se repetia em sua mente durante o dia todo.
Logo que o sol se pôs, e no ápice de sua esperança, o sonho estava para se realizar. A mãe preparava o jantar quando ouviu os gritos da filha no quarto. Assustada, correu para ver o que havia acontecido, e se deparou com uma cena sublime; a jovem andava sem o apoio de nenhum instrumento. Chamou todos da família. O choro, emocionado. Todos estavam em prantos. Sorriam e choravam ao mesmo tempo. Ela andava de um lado para o outro, agradecia a Deus pelo que aconteceu. Como num despertar, deparou-se com suas pernas imóveis novamente, estava no chão do quarto, ao lado da cama e não conseguia se levantar. Tudo aquilo era apenas um sonho. 

Obs: Crônica baseada em fatos reais, em homenagem à história de Érica Letícia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário